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Durante os mais de 40 anos do regime do Estado Novo em Portugal (1933–1974), liderado por António de Oliveira Salazar e mais tarde por Marcelo Caetano, o controlo ideológico sobre a população foi uma prioridade. Uma das principais formas de garantir essa hegemonia foi através da censura. No campo das artes, o teatro foi particularmente visado, pela sua natureza pública, pelo seu potencial mobilizador e pela sua capacidade de crítica social subtil — ou, por vezes, explícita.

A censura teatral tornou-se oficial com a criação da Comissão de Censura em 1933. Esta entidade tinha como função analisar todos os textos teatrais antes da sua encenação pública, bem como fiscalizar os próprios espetáculos em cena. O regime justificava esta vigilância com base na moral pública, nos “bons costumes”, na defesa da pátria e na preservação da ordem. Na prática, tratava-se de suprimir qualquer forma de oposição política, crítica social ou reflexão incómoda.

Os censores, que não possuíam necessariamente formação artística ou literária, avaliavam os textos com critérios morais e ideológicos. Qualquer referência à luta de classes, à condição operária, à emancipação feminina, à liberdade de expressão, ou que pudesse ser interpretada como crítica ao regime ou à Igreja Católica, era severamente cortada ou proibida.

Foram muitas as peças nacionais e estrangeiras que sofreram censura. Autores como Bernardo Santareno, Jorge de Sena, Luiz Francisco Rebello e Miguel Torga enfrentaram constantemente a repressão ao tentar apresentar obras de cariz mais crítico.

Um exemplo emblemático foi a proibição da peça O Judeu, de Bernardo Santareno, escrita em 1966 mas só levada à cena após o 25 de Abril. A obra, centrada na vida de António José da Silva, dramaturgo português perseguido pela Inquisição, era uma clara alegoria à repressão política contemporânea. Também O Crime da Aldeia Velha, de Bernardo Santareno, enfrentou problemas com a censura pela forma como retratava o fanatismo religioso e a opressão das mentalidades fechadas do interior português. Não esquecendo, naturalmente, O motim de Miguel Franco ou ainda Retrato com pássaros de Teresa Rita Lopes.

No domínio do teatro estrangeiro, peças como Menina Júlia de August Strindberg foram censuradas devido ao seu conteúdo considerado imoral ou subversivo. Amélia Rey Colaço, uma das figuras centrais do teatro português do século XX, viu várias das suas montagens boicotadas ou condicionadas pela censura — inclusive peças de autores canónicos como Tennessee Williams ou Bertolt Brecht, cujas ideias progressistas eram incompatíveis com os valores do regime.

Apesar da repressão, muitos artistas encontraram formas engenhosas de contornar os mecanismos da censura. Utilizavam metáforas, alegorias, símbolos e omissões propositadas para transmitir mensagens codificadas ao público. A cenografia, a entoação dos atores e o subtexto tornaram-se ferramentas essenciais na comunicação com espectadores atentos.

O público, por sua vez, tornou-se cúmplice. Muitos espectadores já sabiam interpretar os sinais de crítica subtil escondidos nas falas, nos gestos ou mesmo no silêncio. Esta cumplicidade criou um ambiente de resistência cultural onde o teatro funcionava como espaço de debate e consciência social.

O Teatro Experimental do Porto, o Teatro Estúdio de Lisboa, e o Teatro Universitário foram alguns dos palcos onde esta resistência se manifestou de forma mais ousada. As peças apresentadas nesses espaços, muitas vezes criadas coletivamente, apostavam num teatro interventivo e pedagógico, desafiando as linhas vermelhas da censura com coragem e criatividade.

Com a Revolução dos Cravos, em 25 de Abril de 1974, a censura foi abolida e o teatro português conheceu uma explosão de liberdade criativa. Peças antes proibidas puderam finalmente ser apresentadas, e novos textos surgiram para dar voz à experiência de décadas de opressão.

O período de censura deixou, contudo, marcas profundas na produção teatral portuguesa. A autocensura, interiorizada por muitos artistas ao longo dos anos, foi difícil de ultrapassar. Ainda assim, o legado deste teatro de resistência é hoje reconhecido como um testemunho fundamental da luta pela liberdade em Portugal.

 

Ricardo Cabaça

Fotografia de José Marques do espetáculo Retrato com pássaros (EJM 11128 Cx 2)

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