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Quatro peças para outras formas de vida

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A primeira coisa que me disseram sobre o Miguel foi que escrevia bem. Além disso, só sabia que era jornalista e vivia em Almada. O facto de ser muito jovem tornava intrigante a sua presença regular na secção de cultura do i, ostentando já metade do volume de barba que o caracteriza. Mas o que mais me impressionou foi a sua dedicação ao teatro que se fazia em Portugal, tão intensa no que dizia respeito aos consagrados como a quem estava a começar. A forma apaixonada como escrevia transformava os seus artigos em textos para coleccionar — aliás, não tenho dúvidas de que um dia alguém vai acabar por reconhecê-los como uma importante fonte para se perceber estes anos de teatro português. Tornámo-nos amigos. Do i, foi para a Time Out, onde continuava a escrever sobre teatro. O seu estilo informal assentava bem na revista, mas o espaço era reduzido para quem deseja liberdade. A certa altura, após uma conversa que moderou com companhias recém-formadas, fez-nos uma revelação: tinha uma ideia para uma peça. O assunto ficou mais ou menos adormecido até que, debruçado sobre uma garrafa de cerveja, contou que estava desconfortável com a integração numa rotina determinada por regras e números de caracteres a que era alheio. Foi pouco antes de começarmos um projecto cujo ponto de partida consistia em discutir-se o conceito de crise. Convidámo-lo a participar e, sem que tivesse sido feito qualquer pedido explícito, começou a trazer-nos, cena a cena, o texto de Até parece, que estreou em maio de 2019. A relação com o jornalismo começou a modificar-se, desvinculou-se do contrato, tornou-se freelancer e acabou de escrever a sua primeira ideia, Há dois anos que eu não como pargo, que produzimos no ano seguinte com a sua presença em quase todos os ensaios e fases de criação. Decide inscrever-se num mestrado em Estudos de Teatro e passar cada vez mais tempo em caves, salões de colectividades ou garagens (os espaços de ensaio de uma estrutura marginal). Quatro peças para outras formas de vida reúne experiências curtas que, embora habitadas por referências ligadas ao contexto académico em que surgiram, transcendem a sua origem. Não só estes textos aprofundam a voz do autor e alargam os limites da sua abordagem formal, como, em simultâneo, retêm uma relação com algumas das questões políticas e sociais que estavam já presentes nas suas primeiras obras. Continua presente o desconforto, o mal-estar e a desilusão, contrapostos ao desejo de uma liberdade que esteja para lá dos limites do entendimento quotidiano, pouco ambicioso, desse conceito. Levi Martins (104 p.)

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